VITRINE DA TV - NOVELAS & SÉRIES

Entrevista com Duca Rachid

Duca Rachid dispensa apresentações, autora vencedora de dois Emmy Internacional de melhor novela, Joia Rara e Órfãos da Terra,  é uma autora muito peculiar que aborda com sensibilidade temas sensíveis e não é por acaso que é uma dos maiores dramaturgas do momento.

Foi colaboradora de Walcyr Carrasco nas novelas  O Cravo e a Rosa(2000) e A Padroeira(2001). Autora das novelas O Profeta (2006), Cama de Gato(2009), Cordel Encantado(2011), Joia Rara(2013) e Órfãos da Terra(2019) em coautoria com Thelma Guedes. Supervisora de texto na série Ligações Perigosas(2016) de Manuela Dias. Foi colaboradora também da novela Coração de Estudante(2002) e em outras emissoras foi autora de Tocaia Grande(1995) e Os Ossos do Barão(1997).

Seu última novela  Amor Perfeito em coautoria de Júlio Fischer, a novela terminou em setembro. Foi um folhetim clássico, leve e sensível que conquistou o público.

Na ocasião eu conversei com a autora sobre essa emoções finais e sobre como foi a criação dessa obra baseada no livro Marcelino Pão e Vinho.

 

Duca como surgiu a ideia de usar como inspiração a história de Marcelino Pão E Vinho para uma novela?

 Marcelino Pão e Vinho foi o primeiro filme que vi com minha avó . Meu primeiro contato com o cinema. Eu tinha por volta de sete a oito anos.  E ali nasceu o meu amor pelo cinema e o desejo de trabalhar com áudio visual. Só fui ler o livro anos mais tarde. Então essa é uma história muito cara pra mim. Eu e o Júlio Fischer tínhamos escrito essa sinopse em 2003, quando ainda escrevíamos o Sítio do Picapau Amarelo.  Quando vi Anne com E, uma história de órfã, que fez muito sucesso na Netflix, me lembrei desse trabalho e resolvemos apresentá-lo à casa.   O Sílvio ainda comandava a dramaturgia e ficou empolgado com a ideia, assim como o Villamarin.

Na história de maneira muito sensível você e sua equipe abordam de forma muito sutil temas que ainda são bem atuais,  principalmente o racismo, fale sobre a importância dessa abordagem.

 A ideia era falar de amor, nas suas mais diversas formas e manifestações. Estávamos vivendo ( e ainda estamos) um momento de muito ódio, polarização, destruição, desumanidade,  e achamos que falar de amor, não só o amor romântico, mas o amor filial, o amor fraterno,  o amor pela natureza, pelos animais,  seria importante. E claro que isso passaria sim pelo nosso racismo estrutural e também pelo machismo.  Temas que, infelizmente, ainda continuam atuais e que tem a ver com compreensão, escuta, acolhimento, aceitação, com amor, enfim. Fomos pesquisar e descobrimos que no Brasil sempre existiu uma elite negra, que nunca tinha sido retratada, principalmente numa novela de época. E cuja história foi apagada pela narrativa branca. Um exemplo – o médico baiano, Juliano Moreira, considerado o fundador da psiquiatra brasileira. Então resolvemos escrever essa história em que também falamos de racismo – que não pode ser ignorado, mas onde os personagens não estão ali só com esse fim, para sofrer o racismo, mas vivendo suas vidas, suas histórias,  sua cultura, sua estética, seus sonhos e anseios, e oriundos das mais diversas camadas sociais.   E assim como tivemos muitas pessoas negras pioneiras nos seus ramos de atuação,  tivemos também muitas mulheres, nas artes, na literatura, nas ciências, na política. Um exemplo é Alzira Soriano, a primeira mulher a se tornar prefeita de uma cidade no Rio Grande do Norte, e que serviu de inspiração para a trajetória de Cândida Evaristo, personagem de Zezé Polessa.

 Amor Perfeito entra na sua reta final, sendo que terá seu último capítulo exibido em 22 de setembro, o que podemos esperar até lá?

 Estamos caminhando para o fim e o público pode esperar muitas revelações e  desfechos inesperados, como convém a um bom folhetim.  

Existem ainda muitos ganchos e muitas revelações a serem feitas, mas a maior expectativa é de quando Marê saberá que Marcelino é o seu filho.  Você pode sem dar spoiler falar um pouco dessa cena, ela já foi escrita? Ocorrerá só no final?

 No fundo, Marê e Orlando já intuem que Marcelino é filho deles. E já tratam o menino como tal.  Os três, além dos religiosos da Irmandade, já constituem uma família amorosa. Mas sim, essa cena em que Marê e Orlando descobrem que Marcelino é o filho perdido, já foi escrita e deve ir ao ar em breve. Foi uma cena que muito nos emocionou e, acreditamos, também irá emocionar os telespectadores.

 Gilda com certeza entrou para o hall das melhores vilãs da dramaturgia, pode adiantar qual será o seu castigo?

Gilda já vem sendo castigada por suas maldades.  Essa obsessão em tirar tudo de Marê, o patrimônio, o amor, o filho, acabou se voltando contra ela mesma. Mas o público pode esperar um desfecho à altura da belíssima atuação de Mariana Ximenes e Thiago Lacerda. Arrisco dizer que será um desfecho épico.

 Essa obra tem um texto tão profundo e sensível, o que fez a novela se tornar tão agradável e gostosa de assistir, direção artística muito acertada, nos conta um pouquinho sobre como planejaram tudo isso.

 Uma vez que nossa premissa era falar do amor em suas mais diversas formas e manifestações, procuramos desenhar cada personagem – inclusive a nossa grande vilã – sob a ótica da sensibilidade e da busca por camadas de suas personalidades, de modo que não ficassem chapados.  Acreditamos que foi por esse motivo que vários dos nossos personagens geraram empatia por parte do público, algo que ficou patente em inúmeras manifestações nas redes sociais.  Além disso, tivemos a sorte de contar com uma direção e uma equipe de cenografia, figurino, caracterização, direção musical, etc., totalmente afinada com o nosso propósito enquanto autores o que contribuiu imensamente para o resultado final.

Amor Perfeito é dessa novelas que deixará saudades, muitas saudades, e o elenco despertou muita atenção, principalmente por ter várias pessoas negras e alguns rostos novos, como foi feita essa seleção?

Salvo no que se refere aos atores/atrizes mais conhecidos por nós (como Babu Santana, Tony Tornado, Antônio Pitanga, Juliana Alves e Bukassa Kabengele, por exemplo), os demais foram selecionados através de testes. Foram muitos testes, com várias opções para cada papel, numa demonstração eloquente da quantidade e da qualidade de talentos negros que estão no mercado e que têm muito a contribuir para o audiovisual brasileiro. Foi uma escola bastante difícil, por vezes sofrida – dada, justamente, a qualidade dos candidatos – mas o andamento da novela demonstrou que fizemos as escolhas certas. E esperamos, no futuro, poder trabalhar com outros tantos que não pudemos aproveitar agora.

Você pode falar sobre a responsabilidade de escrever uma novela, mesmo sendo ficção e entretenimento.

É uma responsabilidade imensa, como você bem sabe. Atualmente, com o fenômeno das redes sociais, podemos auferir, quase que “em tempo real” a maneira como as tramas impactam o espectador – quer positiva, quer negativamente.  Acreditamos que o fato de estarmos criando entretenimento não nos isenta de procurar contribuir para, de alguma forma e em alguma medida, interferir positivamente no mundo em que vivemos – quer gerando empatia para com algum grupo ou questão social marginalizado, quer chamando a atenção para alguma questão que pode gerar reflexão e questionamento por parte do espectador, quer, no mínimo oferecendo ao espectador uma novela de qualidade, que cumpra sua missão de entreter o espectador respeitando a sua sensibilidade e inteligência.

Uma pergunta que não quer calar. Quando teremos a Duca e Thelma de novo?

Tenho muitas saudades de trabalhar com a Thelma.   Essa porta estará sempre aberta. Tenho uma admiração muito grande por ela, como pessoa e profissional.  Somos mais que parceiras de trabalho, somos amigas, comadres, temos muitas afinidades, partilhamos de muitas inquietações e temos muitos projetos juntas, de que gostamos muito e gostaríamos de realizar. É um encontro precioso, que merece ser cultivado.

 

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