Vitrines Da Vida

Monalisa

Nascera Monalisa.

Era assim que queria ser, alguém lhe dissera ser nome importante e assim se sentia.

Pelos becos e vielas mostrava seus contornos viris de mulher, mas não era vulgar, nunca se deitara com homem algum.

Não havia alternativa, era um produto daquele ambiente imundo de vadiagem e vigarice, no entanto ambicionava ser gente, além daquele confim maldito de perdição, era negra na cor, mas não nos sentimentos. Nos ziguezagues das ruas podres, conheceu Damião, um surrupiador de almas.

E, por Damião, acreditava ser amada e este a seduziu com todos os encantos dos pecados mundanos e a submeteu a erros desprezíveis, tornando-a parte de seu submundo.

Agora, Monalisa era importante, acostumara com a frivolidade e mesquinhez, a violência que a cercava já não lhe perturbava, tinha seu próprio barraco, dinheiro.

Tornara-se propriedade de Damião, nada lhe faltava, apenas os sonhos outrora sonhados. Nunca questionara a profissão do amante, até o dia em que foi abordada por militares. Monalisa estava presa.  


Viu-se atrás das grades grossas e enferrujadas, assim como vira os personagens de alguns filmes nacionais com a temática do cenário que vivia.

Foi caindo na real. Sentiu uma dor tão ruim de sentir. Lágrimas escorriam no seu rosto, iluminando mais sua pele preta, bem tratada, apesar de tudo.

Esperava por Damião como jamais esperou algo em sua vida. Ele, certamente esclareceria o ocorrido, revelaria que fora somente um engano. Levaria-a para seu barraco e lhe faria satisfeita, como pensara ser.

Ah, aquela noite, fora a noite mais longa de sua vida.

O rangido do fechar e abrir das celas.

Gritos de ajuda.

Um zum-zum-zum desmedido. Impossível pregar os olhos e sonhar num lugar desse. Sentiu algo subir por sua perna e seu grito não foi contido ao perceber que era uma enorme e asquerosa barata. Um cheiro fétido do local proporcionava a visita dessas curiosas noturnas, – que nojo, que horror – pensara sobre os olhares de reprovação das detentas, colegas de quarto. Mulheres com olhares perdidos na neblina densa de um inverno profundo.

Como Monalisa queria estar somente sonhando, embora esse fosse um sonho ruim, diferente de seus sonhos de menina-mulher, sonhos dilacerados pela vida que lhe acolheu.

A dor continuou latejando, tipo aquela dor em um dente bem danificado, lateja, desespera, faz ter vontade de sair correndo sem direção, assim ela se sentia.

Onde está Damião, meu amor, minha vida, meu dono? – pensava. Indagação sem resposta, pois o dia já amanhecia e ela continuava ali parada no mesmo lugar.

Seis da manhã, o café foi servido, pão com manteiga e café com leite sem gosto algum, mas já dava para forrar o estômago.

E Monalisa fora levada a sala do delegado para seu primeiro interrogatório, nem sabia porque estava ali, o que iria falar.

Começara a sabatina de perguntas providas de afirmações e sarcasticamente direcionadas à ela, uma após a outra.

A verdade veio tipo chuva de verão, repentinamente, lavando suas dúvidas. Damião estava envolvido com o tráfico e também já respondia por vários crimes de estelionatos.

No barraco do casal, após a prisão dela, fora encontrado, bem escondido, uma grande quantidade de pedras de crack.

Monalisa perdeu a cor, perdeu o chão, perdera naquele instante a razão de viver. Como bode expiatório fora detida em flagrante por tráfico de drogas, após o interrogatório foi mandada de volta à sua cela, esperaria sua 

Inocentemente, esperava que seu dono a buscasse e continuasse fazendo dos seus singelos sonhos a mais feliz realidade. Continuava acreditando, por Damião – ser amada. Tornou-se importante, estampava as capas de grandes jornais.

O que Monalisa não sabe é que ele jamais apareceria.

COM ROSÁLIA BICALHO

 Facebook da convidada: https://www.facebook.com/rosalia.bicalho

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