Vitrines Da Vida

Marca da morte

Tarde de outono, a chuva caia forte. A praça era o coração daquela metrópole, ali passava muitas pessoas todos os dia… indo e vindo… para lá e para cá.
Mike é um jovem atraente, com vinte e um anos cursava o quarto período de Matemática na Universidade Federal da cidade, afinal dedicou-se com afinco aos estudos e passou entre os cincos primeiros colocados.
De uma família estabilizada, tinha mais dois irmãos, um de dezessete e outro de dezenove anos. Ambos também foram contemplados com a mesma beleza de Mike, pele alva, corpo atlético, cabelos encaracolados em tom castanho claro, enfim perfeitos da cabeça aos pés.
Além da paixão pelo futebol, esporte que praticava todos os finais de semana, curtia muito os sites de relacionamentos na Internet. Portanto, quando não estava estudando, lá estava teclando com algum amigo virtual. Em certas sextas-feiras, gostava de sair com a galera da faculdade, com irmão e com amigos em comum. O trio era super cobiçado.
Eles pegam mesmo – comentavam, em tom de brincadeira, os colegas menos favorecidos pela beleza.
As pessoas tinham por ele forte consideração. Era um rapaz muito calmo e pacífico. Seus pais o tinham como o orgulho da família, o primogênito.
Certo dia, ele não voltou para casa dentro dos horários de costume. Dona Elza, sua mãe, logo sentiu um aperto no coração. Tentou ligar para ele inúmeras vezes, porém somente caia em caixa postal. Coração de mãe não se engana, e especificamente naquele dia, Elza sentiu um aperto no peito durante todo o tempo.
Por volta de duas horas da madrugada o telefone tocou rasgando o silêncio da madrugada. Todos correram ao mesmo tempo para atendê-lo, mas Elza chegou primeiro.
Suspirou profundamente.
_ Alô!
_ Boa noite, quem fala? – a voz feminina era cortês.
_ Elza.
_ Olá Senhora Elza, aqui é a Camila e falo do Hospital…
Foi a última palavra que ela ouviu.
O que recorda é que algum tempo depois chegara ao local e se encontrava diante de uma equipe médica.
Um senhor aproximou-se e se identificou. Foi direto, mas cuidadoso nas informações.
_ O jovem sofreu um acidente e o seu estado é extremamente grave. Está em coma profundo e seus sinais vitais são mantidos por aparelhos…
Ninguém disse nada, somente engoliram um soluço aflito.
O tempo passou…
Uma semana…
Um mês…
Quarenta e cinco dias.
Dois meses…
Os amigos o visitam sempre que podiam, porque a prioridade era dos pais, mesmo assim se aglomeravam na porta do hospital – uma maneira encontrada de lhe enviar forças para vencer a morte.
Cada um recorreu ao que cria. Novenas, promessas, correntes em igrejas evangélicas, ajudas nos centros espíritas, mas Mike continuava sem nenhum sinal de melhora. No leito daquele CTI, ele se encontrava prostado, a fisionomia tão bela quanto antes.
Após seis meses… numa manhã bonita, Mike abriu os olhos devagar, sentia-se descansado, confuso, vazio, sem saber ao certo onde estava, e o que havia acontecido, tentou se mexer, porém lhe faltou forças. Sentiu no pescoço algo estranho, embora não soubesse, era o tudo do oxigênio que estava inserido ali para mantê-lo respirando.
Fechou os olhos devagar e de súbito atravessava a praça, distraído como sempre fora, ao olhar para lado, percebeu um carro se aproximando em alta velocidade, ainda tentou se desviar, só que não foi possível. O encontro daquele veículo com o seu corpo lhe causou uma dor insuportável, ainda percebeu um rapaz de aparência duvidosa se aproximando e pegando a sua carteira e o celular. Ouvia várias vozes ao mesmo tempo. Percebeu um circulo de pessoas a sua volta, as vozes se misturavam.
_ Liga para o SAMU.
_ Não toca nele…
_ Nossa! Será que ele vai morrer?
_ Sou médico, afastem-se todos.
A sirene se aproximando e tudo cada vez se tornava mais fosco e distante.
Mike caminhou por um campo verde, onde ficou perdido durante seis meses, tentava voltar para casa e não encontrava o caminho… estava perdido. Quantas vezes viu seus pais e irmãos, todavia não conseguia falar com eles e se perdia outra vez nesse campinho verde, olhava para os lados e contemplava aquele verde infinito, caminhava dia e noite e não chegava a lugar algum.
O seu retorno foi o fim de uma tristeza infindável.
Trouxe de volta a paz, o alívio e a felicidade de seus entes e amigos.
Um ano depois Mike voltou a sua vida normal.
Estudo, futebol, internet…
Ao passar pela praça caminhava sempre receoso, como se estivesse com medo de algo. Ao atravessar a avenida o medo apagava o brilho dos seus olhos.
Diante do espelho ainda deslizava os dedos sob as cicatrizes nas pernas, pois precisou de várias cirurgias para voltar a andar… na testa algumas manchas escuras. Na mente o medo… no pescoço a marca da traqueostomia… a marca da morte.

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