Vitrines Da Vida

De alma feia

Quando ela passava, sustava o quarteirão. Os homens até colidiam nos postes.
As mulheres a invejavam em silêncio.
Cabelos cor de mel, olhos de azul profundo. Boca convidativa. Seios perfeitos. Cintura alinhada. Enfim o corpo torneado.
Vinte e poucos anos.
A beleza tornou-se a agente causadora do fracasso de Jennifer.
Devido a tantos elogios. Tantos assobios, tantos psius, passou a sentir-se poderosa.
Afinal, levava para cama quem queria.
Acomodou-se ao descobrir que poderia fazer com o seu corpo dinheiro para satisfazer seus caprichos.
As famosas grifes estavam entre sua preferência.
Bolsas. Perfumes. E no seu closet, improvisado, já não cabia mais nada. Morava no subúrbio.
Para as pessoas dizia trabalhar como secretaria de um importante político.
Mas, a “Zona da cidade” era seu recinto profissional.
Muitas vezes, por simplesmente dez reais, abria as pernas e “um qualquer” entrava e saia dela até chegar ao gozo.
“Abro a pernas e meto rápido para o imundo sair logo de cima de mim” – revelava para as putas do quartos ao lado.
No seu âmago vivia na solidão.
Companheira de tantos sonhos perdidos.
Prisioneira de um segredo. Eterno segredo. Segredos são como punhais – cruéis.
O maior medo era magoar seus pais, pessoas apegadas aos valores morais.
Da Zona, saia às vinte horas, passava num shopping e gastava praticamente toda a receita do dia.
Maneira encontrada de vencer a tristeza que sentia. Seu almejo era poder estar de alma limpa. Sentia-se imunda e enojada ao recordar seus lamentáveis dias.
Sentia-se de alma feia…
De que adiantava tamanha beleza?
Sua vida tornou-se um maremoto de tristeza e incertezas.
E o destino, o sempre culpado pelos nossos fracassos preparou para ela uma paixão arrebatadora.
Jennifer virou uma mulher atordoada, foi perdendo aos poucos sua autoestima.
Em precário tempo sua aparência refletia seu interior.
Abatida.
Triste.
Deprimida…
Perdeu as formas belas.
E o tempo passou…
Ah, o tempo leva e trás tantas coisas – ser feliz, bem sucedido – depende de nossa escolha.
Dizem que não existem erros, porque como saber se ia dar certo ou não se não tentar?
Convicções sem soluções. Somos livres para pensar.
E, afinal, cada um faz suas escolhas…
Certas,
Erradas,
Atrapalhadas,
Desesperadas,
Apaixonadas,
Magoadas,
E o tempo continuou passando…
Tantos invernos quentes…
Tantos outonos com cara de primavera.
Jennifer vive hoje num quarto simples do que restou da famosa “Zona da cidade” – seus clientes bucólicos, velhos, gordos – assim como ela – bêbados, drogados, mal amados, frustrados, sujos de corpo e alma.
Igual a Jennifer, viveram de ilusões…
Ilusões perdidas nas angústias do passado.

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