As Desquitadas

Estava escrito

Depois de tanto tempo se lembrou do ex-marido e fez isso fingindo indiferença, como se o amor nunca tivesse ocorrido no seu ferido coração.
Apesar dessa sensação ainda tenta seguir em frente. Tenta refazer sua felicidade. Conheceu-o no ponto de ônibus após sair do trabalho. Ela podia ser considerada uma jovem sonhadora e lutadora, fora criada somente pela mãe, o pai nem sabe quem é. Na adolescência já começara a trabalhar numa empresa que empregava menores de idade. Sempre corria atrás dos seus sonhos e de suas vontades.
Antes dele até teve alguns namorados, mas nada sério. Somente beijos e abraços.
Sentou-se ao lado dela e puxou papo.
Desceu no mesmo ponto que ela e lhe fez companhia até o portão, onde o primeiro beijo aconteceu, de sua humilde casa.
E logo estavam se encontrando, tão jovem quanto ela, ambos nem tinham vinte anos.
A paixão os dominou. Noivaram e em pouco tempo se casaram no cível e na igreja evangélica que ela frequentava.
Foram poucos anos de amor, quase cinco, ela continuou estudando, formou-se em Direito, passou num concurso público.
E tentava fazer dele alguém responsável, porém ele nunca levara a sério essa relação. Enquanto a esposa investia o tempo em seu crescimento pessoal e profissional, ele trocava mensagens, palavras de amor e sexo com diversas mulheres.
Todo bem estar que tinha ao lado dele aos poucos foi se desfazendo, chegava em casa quase de madrugada, cheirando álcool, cigarro e perfume barato. Mal dava conta de cumprir seu papel de esposo, logo caía na cama, exausto, nem banho tomava. Ela o abraçava e tentava despertá-lo para amá-la, em vão, o adúltero estava em sono profundo. Implorava seu toque, seus beijos, seus carinhos, sua presença, tentava amá-lo mesmo assim, tirava sua roupa, cheirava seu corpo sujo, tentava o deixar ereto, entretanto não tinha êxito nessa tarefa. Abraçava aquele corpo frio, marcado por mãos alheias.
Desabava em lágrimas e se entregava a solidão.
Fazia tudo para ser feliz, fazia tudo para vê-lo feliz, mas o inverno era profundo.
Certa noite, no mesmo cenário e roteiro das anteriores, pegou curiosamente o celular jogado no canto, sem pensar duas vezes, com medo da verdade, leu várias mensagens trocadas com algumas mulheres.
Promessas de amor.
A prova concreta da traição. Estava escrito.
O saber que não passava de uma idiota sem valor.
A dor foi dilacerante. Nem adormeceu nessa noite, ficou ali sentada à meia luz observando o homem que ama.
No dia seguinte, o mandou embora, sem clemência, sem direito a qualquer apelação, fora o fim de um sonho que sonhou sozinha.
Agora, desquitada, após tanto tempo ainda sofre de saudade, ainda o ama, mesmo fingindo que ele é indiferente, em toda oportunidade, fala dele com dor e dos seus olhos o amor escapa indiscretamente. No silêncio das noites sem sentido, ainda deseja saber quem daqueles lábios tem beijos, daquelas mãos tem carinho e daquela boca escuta as mais belas palavras de amor.
Quem ele finge fazer feliz.

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