As Belo-horizontinas

A oferecida do Santa Teresa

O bairro Santa Teresa, está localizado na região leste de Belo Horizonte. Tivera outros nomes como Colônia Américo Werneck, Bairro da Imigração, Alto do Matadouro, Bairro do Quartel e Fundos da Floresta, mas em 1928 oficialmente recebeu o nome Santa Tereza em homenagem a igreja situada na praça Duque de Caxias.
Tornou-se famoso por ser o berço de ícones da música brasileira, foram muitos encontros e desses encontros nasceu, na década de sessenta, o movimento musical conhecido como Clube da Esquina. O bairro é fortemente lembrado por sua boemia, bares e restaurantes tradicionais. Ainda guarda características do passado, apesar do avanço crescente da violência e da substituição irregular de casas antigas por prédios. O Local também é famoso pelo seu Carnaval, caracterizado pelo desfile de tradicionais blocos de rua.
A beleza arquitetônica de suas casas antigas, a variedade de opções de diversão, as atividades culturais diversificadas, como casas de seresta, feiras de artesanato e o famoso macarrão do fim de noite, atraem turistas e pessoas de todas as partes da cidade.
Na única casa antiga do quarteirão reside Vilma.
Ela crescera no meio desse movimento todo. Seus olhos verdes que nem esmeraldas apreciavam os turistas e as pessoas que frequentavam a região.
Eram olhos clínicos. Captavam depressa alguém que precisasse de seus favores, assim sentia-se tão útil, tão bem, tão feliz.
Até virou referência em se tratando de dar informações e fazer favor. Diziam os conhecidos:
__ Pergunta a dona Vilma que ela sabe informar.
__ Pede a dona Vilma que ela faz.
Vilma na verdade além de ter sangue mineiro, carregava o calor das mulheres belorizontinas.
Dizem que mineiro come quieto.
Que são tão fortes que carregam até um trem.
Que o “ali” deles faz qualquer pessoa andar, andar até à exaustão – ali de mineiro.
No começo das noites, nos finais de semana, quando moça, se divertia ao som dos encontros musicais, dançava muito. Sempre adorou dançar.
Mesmo de família conservadora, Vilma estava sempre na calçada da entrada da casa.
Quando alguém aparecia, antes mesmo de pedir ajuda, ela já se oferecia.
__ Precisa de alguma informação?
E realizava sua vontade com primor. De uma simples informação surgia um longa conversa, coisas de “mineiro”, também.
__ Vamos entrar para tomar um café.
Sem graça a pessoa sempre aceitava. Vilma fazia todas as gentilezas. Servia além do café, queijo do bom, broa e biscoitos caseiros, quitandas que aprendera a fazer com sua avó e sua mãe.
Dava água na boca apreciar aquela farta mesa.
Vilma sempre fora desinibida, desde a infância, fora criada assim, viera de um tempo em que as coisas eram feitas em casa, raramente se comprava algo fora, pães, bolos, biscoitos, doces, tudo muito saboroso.
E, numa dessas de informante, conhecera o grande amor de sua vida.
Ele estava perdido no bairro a procura de um endereço. Vilma fez questão de levá-lo até seu destino, duas ruas abaixo da residência dela.
Ficou com aquele semblante na memória. Sentou na calçada na esperança de que ele voltasse pelo mesmo caminho.
E foi o que ocorreu…
Do café ao casamento foi um pulo, tudo com o consentimento dos seus pais.
Ele conquistou tanto os sogros que acabaram morando com eles, após o casamento.
O tempo passou, nasceram os filhos.
Vilma continuou oferecida nos quesitos dar informações e fazer favores, era uma ajuda para superar os dilemas da vida.
O transcurso do casamento.
A perda dos pais.
As fases dos filhos.
As tristezas…
A doce solidão dos dias nublados.
A partida do marido, pois um dia ela saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou. Seu nome figurou por muito tempo na lista de desaparecidos.
Agora, Vilma se prepara para se mudar, pois uma construtora comprou sua casa. Irão demoli-la e construir um prédio.
Os filhos acharam melhor assim, já que a mãe está com mais de setenta anos, embora com uma saúde invejável. Passa os dias fazendo tricô e observando as pessoas passarem para lá e para cá sem sequer olharem para os lados, sentada no alpendre.
Como dói tudo isso, mas na vida é assim, tudo passa.
Restaram somente as nostálgicas lembranças guardadas eternamente no fundo do seu âmago.

1 COMENTÁRIOS

  1. Mais uma semente do Best-Seller da obra de Silvio Cerceau!
    No silêncio das palavras do conto, ” A Oferecida do Santa Teresa”, jorram um infinito de pensamentos. Neste cotidiano onde a pressa edita a agonia da servidão ao tudo-pronto-e-fácil e onde o tempo desfila distraído e sem rumo, reter os passos num Texto que aponta caminhos opostos, é fantástico!
    E este é mais um brilhante trabalho de Silvio Cerceau, solidificando valores e reflexões, que embora presentes em nossas vidas, relegamos ao segundo plano.
    Aparentemente simples, o conto ” A Oferecida do Santa Teresa”, possui em suas entrelinhas profunda filosofia, que reforça a visão diferenciada e, na maioria das vezes, antagônica do dia a dia, como se vê sempre nos contos do Autor. É na universalidade desta filosofia que repousa a importância das coisas simples e dos sentimentos, que faz com que reflitamos sobre o mundo ao nosso redor.
    Pleno de simbolismo, as personagens interpõem-se num contraponto, nos levando a uma crítica à primazia do ser sobre o ter, exemplificada nas personagens diversas, e, sepultado, metaforicamente, através do pensamento do Autor, brilhante, Silvio Cerceau. Mais uma vez, Congratulações pelo belíssimo trabalho!

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